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Revista Tecnologia & Defesa publica entrevista com presidente da AIAB



Fomento ao desenvolvimento tecnológico do setor aeroespacial

Entrevista publicada pela Revista Tecnologia & Defesa - Ano 39 - Nº 167 - Setembro de 2022

A indústria aeroespacial brasileira vive um momento decisivo com relação ao seu futuro. O presidente da Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB), Julio Shidara, conversou com Tecnologia & Defesa para expor os desafios enfrentados pelo segmento.
“Em setores de elevado conteúdo tecnológico como o aeroespacial, a inovação intensa e contínua é o combustível que proporcionará alcançar patamares cada vez mais elevados de competitividade em escala global, sem o qual existe um sério risco de sucumbência da indústria nacional no longo prazo” declarou Shidara.
Uma das propostas apresentadas pela indústria aos presidenciáveis nas eleições de 2022, no evento promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em Brasília (DF), no dia 29 de junho, sob o título Inovação – Motor do Crescimento, destaca as razões pelas quais o País deve passar a priorizar investimentos para fomentar a inovação tecnológica.
Na entrevista o presidente da AIAB traçou um panorama desse estratégico setor, no Brasil e no mundo.

Tecnologia & Defesa - O sr. está entre aqueles que acreditam que o Programa Espacial Brasileiro está vivendo uma fase de renascimento? Caso positivo, pode mencionar alguns exemplos?
Julio Shidara - Sou um dos que manifestam a convicção de que estamos vivendo momentos que representarão um divisor de águas na história do PEB (Programa Espacial Brasileiro). A recente aprovação da Lei Complementar 177/2021, que impede o contingenciamento de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), cria uma verdadeira janela de oportunidades em prol do desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil, e não apenas para o setor aeroespacial. Serão mais de R$ 10 bilhões/ano, entre recursos reembolsáveis e não reembolsáveis, para fomentar a inovação tecnológica no Brasil, com previsibilidade e que, em última análise, promoverão o desenvolvimento socioeconômico no país. Nesse cenário, o Conselho Diretor do FNDCT, com visão clara de futuro e muita coragem, aprovou, em março deste ano, cartas-propostas de subvenção econômica para a indústria brasileira, para desenvolvimento de um satélite ótico de pequeno porte e de um lançador de nanossatélites, rompendo o paradigma da pulverização de recursos de fomento à inovação tecnológica no setor espacial. O edital do satélite, no valor de R$ 220 milhões, foi publicado no dia 29/06/22 pela FINEP, e o edital do lançador foi divulgado em agosto. A indústria espacial brasileira terá a chance de ouro para demonstrar sua capacidade em desenvolver e entregar resultados à sociedade brasileira que atendam às suas necessidades.

T&D - O que é como atua a AIAB?
Shidara - A AIAB é a Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil, entidade de classe nacional, fundada em 1993, que congrega e representa as empresas brasileiras do setor aeroespacial, promovendo e defendendo seus interesses e objetivos comuns, tanto no País quanto no exterior.

T&D - Como funciona o Comitê para o Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB)?
Shidara - O CDPEB, originariamente criado em 2018, é o fórum para discutir questões fundamentais que afetam o desenvolvimento do PEB e para deliberar, em alto nível, ações destinadas a potencializar o setor espacial nacional. É composto por oito ministros de Estado e suas principais entregas até o momento foram, dentre outras, a proposta de governança para o setor espacial brasileiro, cuja implementação é aguardada com grande expectativa por todos, e o delineamento do projeto mobilizador para a indústria espacial brasileira, cuja célere implementação é de particular e grande interesse para as indústrias do setor, para minimizar os efeitos perversos para o futuro do PEB decorrentes da carência de novos projetos nos últimos anos que demandassem a participação da indústria nacional.

T&D - Quais são os principais desafios enfrentados pelo setor no momento?
Shidara - Os setores aeronáutico e espacial enfrentam desafios diferentes pelo fato de estarem em estágios distintos de maturidade. De maneira geral, creio que um dos principais desafios para o Brasil seja aquele de construir uma política industrial adequada, que respeite as especificidades de cada segmento. Pela sua própria natureza, o mercado aeroespacial é global, o que significa que concorremos em um acirrado ambiente em que as condições que moldam a competitividade da indústria brasileira são assimétricas com relação às de países concorrentes, desde aspectos relacionados a fomento para inovação tecnológica até a carga tributária que onera as exportações de produtos e serviços.

T&D – O que são e de que forma são aplicadas as salvaguardas referentes à segurança nacional no Centro Espacial de Alcântara (CEA), no Maranhão, assunto gerador de muita polêmica à época?
Shidara - De maneira simples e objetiva, pode-se dizer que o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) foi o instrumento necessário para que lançadores e satélites que contenham partes com tecnologia norte-americana pudessem ser lançados a partir do território brasileiro. Os Estados Unidos têm acordos semelhantes assinados com Rússia, China, Índia, Ucrânia e Nova Zelândia.

T&D - Como os países fomentam suas indústrias do setor?
Shidara - Nos Estados Unidos, berço do liberalismo econômico, o então presidente Donald Trump emitiu uma Ordem Executiva Presidencial em pleno 2019, não apenas aumentando as margens do “Buy American Act”, em favor da indústria norte-americana, como também declarando que aplicaria o Ato na máxima extensão permitida por lei.
Dentre as margens majoradas por Trump está a exigência de conteúdo nacional mínimo nas aquisições do governo para produtos em ferro e aço, que passou de 50% para 95%, e o sobrepreço admitido em favor do produto nacional nas compras de grandes fornecedores norte-americanos, que passou de 6% para 20%. Sem citar que o sobrepreço admitido nas aquisições do Departamento de Defesa é de 50% em favor do produto nacional. Sendo a referência global do liberalismo econômico, os Estados Unidos respeitam as especificidades de mercados e priorizam seus interesses nacionais estratégicos.

T&D - E no Brasil?
Shidara - O Brasil progrediu bastante no quesito de fomento à inovação tecnológica, com instituições como FINEP, FAPESP e EMBRAPII mas há necessidade de mais avanços e de maneira célere, para não comprometer a competitividade da indústria aeroespacial brasileira. Metas importantes previstas na Estratégia Nacional, Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) como a destinação de 2% do PIB para P&D precisam “sair do papel”.
Instrumentos como a ETEC, do “novo” marco legal da inovação, regulamentado em 2018, precisam ser colocados em prática, para recuperarmos os prejuízos imputados ao ecossistema de inovação brasileiro pela Lei de Licitações, aplicada indiscriminadamente nas contratações, pela administração pública, de “alfinete a foguete”.

T&D - Como o Brasil pode superar esses desafios?
Shidara - Uma grande janela de oportunidades abriu-se com a recente aprovação da Lei Complementar 177, de 2021, que veda o contingenciamento de recursos do FNDCT. Um recente estudo do IPEA estima arrecadações anuais próximas a R$ 10 bilhões já para os próximos anos. Esse fato, aliado ao emprego de ETEC, pode fortalecer o já respeitado ecossistema aeronáutico brasileiro e fazer decolar, literalmente, o setor espacial local.
Faz-se necessária a percepção, por parte dos tomadores de decisão, de que capacidade de inovação tecnológica está diretamente relacionada à prosperidade econômica de uma nação e uma decisão política no sentido de elevar a efetiva prioridade de investimentos em setores declarados como estratégicos, no caso do Brasil, o aeroespacial.

T&D - Hoje muito se fala em tecnologias disruptivas, inovação como via de mão única para não estagnar, internet das coisas, etc. Quais são as efetivas colaborações do segmento espacial nesse sentido?
Shidara - O segmento aeroespacial é um dos setores industriais de maior agregação de valor econômico, decorrente do elevado conteúdo tecnológico de seus produtos e serviços. Um quilo de satélite vale 5 milhões de vezes mais do que um quilo de minério. Nesse sentido, pior do que estagnar, o setor aeroespacial brasileiro corre o sério risco de sucumbir no longo prazo, caso não invista, de maneira continuada e intensa, em inovação tecnológica, para que seus produtos e serviços não percam competividade no cenário de acirrada competição do mercado global em que atua. A sociedade brasileira ainda não se deu conta de que “Não existe praticamente nada que façamos como cidadãos deste mundo que não esteja vinculado ao espaço” e de que o Brasil encontra-se hoje numa incômoda situação de vulnerabilidade por depender quase que totalmente de satélites estrangeiros para que possa prover serviços básicos essenciais a seus cidadãos como internet, comunicação, transporte, previsão de tempo e até mesmo a energia elétrica que consumimos. Caso o Brasil não possua um sistema de “back-up” para sincronizar seu grid elétrico, podemos viver o pesadelo do apagão nacional em caso de problemas que afetem o sistema estrangeiro de satélites utilizado hoje para tal finalidade. Trata-se de uma ameaça que os especialistas em planejamento estratégico classificariam como cisne negro.

T&D - Dentre outros, a Índia, mesmo com suas mazelas, tem um programa espacial avançado e que se traduz em benefícios à sua população. E o Brasil, como se situa sob esse aspecto e o que poderia ser feito. Quais seriam as vantagens?
Shidara - O caso da Índia é emblemático, pois coloca por terra o falso paradigma de que países em desenvolvimento não devem investir no setor espacial. Na realidade, a infraestrutura espacial permite atender com maior eficácia e efetividade necessidades típicas de países em desenvolvimento como a Índia e o Brasil. Segundo a OCDE, a Índia investiu, ao longo da última década, de maneira consistente, cerca de USD 1 bilhão/ano no seu setor espacial e, atualmente, é o único país em desenvolvimento que conquistou o domínio tecnológico para produzir e colocar em órbita, de maneira autônoma, satélites geoestacionários, figurando ao lado de potências econômicas como China, Rússia, Estados Unidos, Europa, Japão e Coréia do Sul, no seleto grupo de países com tal capacidade. Sob a métrica de % do Produto Interno Bruto (PIB) investido no setor espacial, pelos países que integram o G20, a Índia investiu, em 2020, 16 vezes mais do que o Brasil e a Argentina, 5 vezes mais. A Índia é também o único país em desenvolvimento que possui uma constelação própria do estratégico sistema de posicionamento e navegação por satélite (cobertura regional), à semelhança do Japão. Os outros países que possuem constelações de posicionamento e navegação (com cobertura global) são os Estados Unidos (GPS), Rússia (Glonass), China (Beidou) e Europa (Galileo). Segundo dados da consultoria Euroconsult, mesmo países sem a mesma tradição do Brasil no setor espacial, como Emirados Unidos Árabes, Turquia, Argentina, Nigéria, Egito, Indonésia, dentre outros, passaram a investir de maneira consistente em seus programas espaciais, ao perceberem o papel que a infraestrutura espacial desempenha na promoção do desenvolvimento econômico e social. A sociedade brasileira ainda não acordou para essa realidade. Investir em infraestrutura espacial é um imperativo para o desejado desenvolvimento socioeconômico em ritmo acelerado e, também, para não fragilizarmos ainda mais a nossa soberania. Uma ideia, apenas uma ideia, da dependência da economia brasileira de infraestrutura espacial, pode ser obtida de um estudo desenvolvido pela consultoria RTI International para o governo norte-americano, que estima um impacto econômico da ordem de USD 45,4 bilhões ou de USD 30,3 bilhões para a economia norte-americana, decorrente de uma interrupção de 30 dias nos serviços de GPS, caso ela ocorresse ou não, respectivamente, em períodos críticos para a agricultura. Hoje, é evidente a grande dependência da economia global de infraestrutura espacial e o Brasil não é uma exceção.

T&D - O que esperar a médio e longo prazos no setor espacial o qual já é considerado uma área estratégica dentro da Estratégia Nacional de Defesa?
Shidara - A declaração do setor espacial como estratégico em documentos oficiais é condição necessária, mas não suficiente para que, na prática, o PEB avance de fato. É necessário que o estratégico setor espacial passe a ser considerado prioritário na agenda nacional, condição essa indissociável da necessidade de comprometimento na alocação de recursos para o seu desenvolvimento no longo prazo. De um total de 16 sistemas de infraestrutura considerados críticos pelo Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, 14 deles dependiam do sinal de tempo do GPS para operarem adequadamente. No Brasil, a situação não deve ser muito diferente. A pior ameaça que pode pairar sobre nosso futuro é aquela cuja existência nós ignoramos ou desconhecemos. O Brasil precisa acordar para sua atual situação de vulnerabilidade e passar a investir de maneira consistente em sua infraestrutura espacial para, gradativamente, diminuir seu grau de dependência de satélites estrangeiros.
O Brasil tem um potencial de desenvolvimento no setor espacial gigante que, contudo, encontra-se adormecido. Nossos recursos humanos que atuam no setor espacial são diferenciados, notadamente em virtude da criatividade e da flexibilidade do profissional brasileiro. Com o Programa Espacial Brasileiro (PEB) sendo adotado como programa do Estado Brasileiro, com comprometimento e previsibilidade de alocação de recursos ao longo do tempo, passaremos, em menos de uma década, para uma posição de protagonismo no cenário global, à semelhança do que ocorre hoje com o respeitado setor aeronáutico brasileiro. O futuro do Brasil precisa e merece essa conquista.

T&D – Gostaria de acrescentar algo mais?
Shidara - O Brasil tem um enorme potencial para ser protagonista em inovação tecnológica no cenário global, e não apenas no setor aeroespacial, em função de inigualáveis diferenciais competitivos de nossos recursos humanos, dentre os quais destaco sua criatividade e sua flexibilidade. É uma questão de tempo o Brasil “acordar” para o benefício social de investimentos públicos em desenvolvimento tecnológico e passar a “produzir” casos de sucesso como o do respeitado setor aeronáutico brasileiro, estudado em escolas de administração em todo o mundo.




Source: AIAB e Revista T&D


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